Um outro olhar sobre o mundo

Um outro olhar sobre o mundo

sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Stan Lee - 90 anos



"I'm no prophet, but I'm guessing that comic books will always be strong. I don't think anything can really beat the pure fun and pleasure of holding a magazine in your hand, reading the story on paper, being able to roll it up and put it in your pocket, reread again later, show it to a friend, carry it with you, toss it on a shelf, collect them, have a lot of magazines lined up and read them again as a series. I think young people have always loved that. I think they always will."

sábado, 22 de dezembro de 2012

Escola Secundária Frei Heitor Pinto


Apresentação da Escola Secundária Frei Heitor Pinto (Covilhã) pelo seu Director, Aníbal Mendes. 

Trabalho realizado por Guilherme Braz com a colaboração de Xavier Canavilhas e Henrique Pereira.

terça-feira, 20 de novembro de 2012

Para iniciar o tema "Argumentação e Retórica"

12 Angry Men (12 Homens em Fúria) de Sidney Lumet - EUA, 1957
Argumento: Reginald Rose
Intérpretes: Henry Fonda, Lee J. Cobb, E.G. Marshall, Jack Warden, Ed Begley, Jack Klugman


A Lição de 12 Homens em Fúria
por Ferreira Fernandes
O filme antigo 12 Homens em Fúria podia ter por título "Lá dentro Escaldava", por toda a acção se passar dentro de uma sala de jurados, mas seria errado. O autor quis dizer, mesmo, que aquilo era sobre 12 jurados, um a um, cada um com a sua consciência. Foi o primeiro filme de Sidney Lumet, é de 1957, e trago-o para aqui em agradecimento ao grande realizador moralista que morreu ontem. 12 Homens em Fúria deveria ser ensinado nas escolas como aula de moral. A história: um rapaz pobre é julgado pela morte do pai e o júri reúne-se para decidir a pena capital ou não. À primeira votação todos votam "culpado" com excepção do jurado n.º 8 (Henry Fonda). Este está convencido de uma coisa: tem dúvidas. E essas dúvidas, perante a enormidade que estava em jogo (a vida ou morte do rapaz), obrigam-no a ser tenaz. Ele pergunta, insiste, argumenta, até fazer com que os seus companheiros de decisão também sejam interpelados pela consciência. Todo o filme viver dentro de uma sala coloca o espectador perante si próprio - essa a genialidade artística de Lumet. Mas o filme vale sobretudo por nos ensinar o mundo, a olhá-lo e decidir. No fim, todos os jurados votam "inocente". E, não, não é um filme contra a pena de morte, é contra a imprudência (indecência, até) de não termos dúvidas. Esse o método que deve ser ensinado na escola. Porque depois, quando somos cronistas, bloguistas e comentadores televisivos, já é tarde.

2 em 1 - Colheita de Sangue + Vampiros (a propósito de Bram Stoker)


O Paradoxo do Barbeiro

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Da necessidade do desassossego...

90 anos de José Saramago

"As misérias do mundo existem, e só há dois modos de reagir perante elas: ou uma pessoa acha que não tem culpa e, portanto, encolhe os ombros e diz que não está nas suas mãos remediar nada - e isto é verdade -, ou então assumir que, mesmo quando não está nas nossas mãos resolver, temos de nos comportar como se assim fosse" (pp 369-370)

"A pergunta que todos devíamos colocar-nos é: O que é que eu fiz se nada mudou? Deveríamos viver mais no desassossego. O amanhã não acontecerá se não mudarmos hoje." (p.371)


"É a hora de uivar, porque se nos deixarmos levar pelos poderes que nos governam, e não fazermos nada para contrariar isso, pode dizer-se que merecemos o que temos" (p.375)

"Temos de começar a uivar, comecemos a uivar."(p.373)

 (citações tiradas do livro:José Saramago nas Suas Palavras (edição e selecção de Fernando Gómez Aguilera,  Lisboa, Caminho,  Outubro de 2010 - selecção de citações por de Maria Cardoso)

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Hoje já clicou com o seu vizinho? (por Ferreira Fernandes)


Na última 'Sábado', o jornalista Luís Silvestre conversa com a cientista britânica Susan Greenfield, especialista dessa transformação tremenda que está a acontecer no nosso cérebro com os computadores e outros saberes de ponta dos dedos. Já uma vez, na pré-história, os dedos - o facto de o polegar ser oponível aos outros - nos aumentaram o cérebro. Pois há dias vi um movimento em sentido contrário. Um desenho, naturalmente feito por computadores, do homem do futuro: vamos ser mais feios, cabecinha mais de ervilha, porque não precisamos de tanto espaço para a memória. Como eu percebo essa previsão. No liceu eu era campeão das capitais, até sabia de nomes hoje desaparecidos de cidades, como Santa Maria Bathurst (fui ver: hoje, Banjul, capital da Gâmbia), mas custava-me horas a decorar. Agora, com dois dedilhares, sei quantas pizarias há em Mendoza, Argentina, e em que rua ficam. E logo esqueço, estreitando, se não a minha cabeça, a dos meus descendentes. Voltando à entrevista da cientista, encontro um alerta para uma perda, não essa hipotética do tamanho da cabeça, mas não menos preocupante: a da empatia. Susan Greenfield diz: "As relações entre as pessoas precisam de muito treino, cara a cara, e há uma nova geração que só comunica por computador." Tele, isto, tele, aquilo, vamos cada vez mais longe, quando o que mais falta nos faz é falar com o vizinho. Foi bom ouvir uma cientista falar da necessidade do "cara a cara".

(por Ferreira Fernandes, Diário de Notícias, 29/10/12)

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

O Historiador de Elizabeth Kostova



Drácula parou diante de uma grande estante e pousou a mão sobre ela de modo afectuoso.
- Esta tem um especial interesse para mim, e terá para si também, penso. Estas obras são biografias minhas.
Cada um dos livros estava de alguma forma relacionado com a sua vida. Havia obras de historiadores bizantinos e otomanos - algumas delas originais muito raros - e as suas muitas reimpressões através dos tempos. Havia opúsculos medievais da Alemanha, Rússia, Hungria e Constantinopla, todos documentando os seus crimes. Muitos deles nunca os tinha visto nem os vira referidos no decorrer da minha pesquisa, e senti uma onda irracional de curiosidade antes de me lembrar que já não tinha motivo, nesta altura, para completar a pesquisa. Havia também numerosos volumes sobre folclore, a partir do século dezassete, que se referiam à lenda dos vampiros - achei estranho e terrível que os incluísse tão abertamente entre as suas próprias biografias. Apoiou a mão larga numa das primeiras edições do romance de Bram Stoker e sorriu, mas nada disse. Depois passou em silêncio para outra secção.
- Isto é de especial interesse para si também - disse. - São obras de História sobre o seu século, o século vinte. Um óptimo século, aguardo ansioso pelo seu final. Na minha época, um príncipe só conseguia eliminar os elementos indesejáveis um de cada vez. Vocês fazem isso com um alcance infinitamente maior. Pense, por exemplo, no aperfeiçoamento que houve desde o maldito canhão que derrubou as muralhas de Constantinopla até ao fogo divino que o seu país de adopção lançou contra as cidades japonesas há alguns anos. - E esboçou uma vénia, cortês, congratulatório.

Elizabeth Kostova, O Historiador, Editora Gótica, 2008
(também numa colecção da Biblioteca Sábado)
imagem

sábado, 20 de outubro de 2012

Manuel António Pina (1943-2012)

Pensar de pernas para o ar

Pensar de pernas para o ar
é uma grande maneira de pensar
com toda a gente a pensar como toda a gente
ninguém pensava nada diferente Que bom é pensar em outras coisas
e olhar para as coisas noutra posição
as coisas sérias que cómicas que são
com o céu para baixo e para cima o chão

(de O Inventão, Afrontamento, 1987)
(imagem daqui)

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Noções de lógica - 11º ano

UNIDADE I - Capítulo I Noçôes de Lógica Formal - a lógica aristotélica

Morreu Emmanuelle


Sylvia Kristel, a actriz holandesa que, aos 22 anos, se tornou um ícone da libertação sexual dos anos de 1970 com um clássico do cinema erótico, “Emmanuelle”, morreu nesta quinta-feira. Tinha 60 anos.


Desaparecida dos ecrãs, Sylvia Kristel é para sempre lembrada como Emmanuelle, protagonista do filme com o mesmo nome, sobre uma jovem decidida a desafiar os limites da sua sexualidade. Adaptado do romance homónimo de Marayat Bibidh Andriane, o filme, realizado pelo francês Just Jaeckin, chegou aos cinemas numa época em que a nudez era ainda censurada. 

O filme, que rompeu muitos tabus ligados ao sexo, é ainda hoje um dos grandes clássicos do cinema erótico, tendo arrecadado em todo o mundo mais de 100 milhões de dólares. 

(daqui)

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

quarta-feira, 27 de junho de 2012

DA FALTA DE HUMANIDADES À MISÉRIA DOS POLÍTICOS


Hoje em dia não é em teatros, cinemas ou ecrãs de televisão
 que vamos encontrar boas comédias, mas sim na arena política e económica.
                                                                                                                                                  Antonio Escohotado

O político medíocre, como todo o homem medíocre, é fruto da falta de formação. Faltam Humanidades no nosso sistema de ensino. A cada reforma curricular, disciplinas como História, Filosofia, Psicologia ou Sociologia perdem terreno e exigência no currículo dos alunos.
O paradigma dominante é tecnológico e económico. Não há discurso político contemporâneo que não vá por aí. Di-lo o Presidente da República e também o Primeiro-Ministro do país hipotecado, os Presidentes da Câmara e da Junta, que fincam pé para que todos os gaiatos tenham pc e naveguem pela net, mesmo sem nunca terem visto o mar. E os velhos, que não podem morrer sem mandar um email, não vá a entrada no céu ou mais abaixo precisar de conta aberta no Google. O futuro é tecnológico, digital, interactivo, pronto a servir e a ser vivido. Ainda não entendemos o jargão, mas já não estranhamos. A tecnologia acoplada a tudo o que mexa. O economês como língua oficial. O deserto em volta.
Vale a quantidade e pouco a qualidade. Vão os alunos passando de ano, ou transitando, ou lá o que é, felizes, até ao dia em que batem no real. Já não se reprova, termo banido da novilíngua educativa, como ensino ouaprender, substituídos por conceitos vazios como competênciasaprender a aprender ou empreendedorismo. Nivelamos por baixo e são os fracos que se lixam, com a promoção de uma mediocridade generalizada em que o esforço deixa de valer a pena e a preguiça e a responsabilidade são insistentemente perdoadas por factores externos. Dificultamos a formação dos alunos culturalmente mais carenciados e acentuamos o fosso que os separa dos que possuem um enquadramento económico e familiar que compensa as lacunas escolares. Também para estes a escola se torna obsoleta, cansados de um ensino que os trata como atrasados mentais. Não tardará e o professor será um anacronismo num admirável mundo novo onde cada aluno da geração “tipo” ou “tásse” poderá escolher o seu currículo e avaliar-se a si mesmo. Tudo feito online, entre muitos ☺, LOL e artigos da Wikipédia. O nivelamento pelos medíocres não elimina as classes sociais, perpetua-as. A escola pública transforma-se num monstro inútil onde continuam a safar-se os mesmos. Vale a estatística. Mesmo que a maioria dos alunos não consiga sequer interpretá-la.
As Humanidades dão trabalho, mais se em casa falta o incentivo e a exigência, se a ausência de hábitos de leitura e discussão são o prato de cada dia e o pergunta ao professor que é para isso que lhe pagam está sempre na ponta da língua. Sem resultados imediatos, são desprezadas. Incomodam.
Num mundo em acelerada mudança, é demasiado fácil perder a imagem do todo. O papel das Humanidades é servir-nos de âncora. Precisamos reaprender a pensar, a demorar o pensamento, resgatando-o da manada e centrando-o no essencial.
Da falta de um pensamento crítico nasce o político miserável, ser amputado de espírito, fechado numa perspectiva que se habituou a tomar pela verdade e longe da vida que está para além dela. O futuro não decorre de um conjunto de regras imutáveis estabelecidas por um conjunto de bem pagos especialistas. As regras do jogo estão sempre a mudar, prever hoje o que vale para amanhã é mais fruto do acaso ou de estupidez astrológica do que ciência. Comparem-se todas as previsões económicas feitas a médio e longo prazo. É o aleatório que domina, nas bolsas, nas agências de rating ou nos mercados financeiros: “A verdadeira tarefa da economia consiste em mostrar ao homem o pouco que ele sabe acerca daquilo que pensa poder planear” (Hayek). A perspectiva em que se situa o observador condicionará sempre a previsão, numa espécie de efeito de realimentação, que apenas espelha o desejo de quem a profere. Limitamo-nos a seguir a música da moda, composta de medo e mecanismos irracionais de toda a espécie, dando corpo a uma crise que começou por ser imaterial, aumentada a cada referência ou auto-referência. Como um discurso viral que contamina todas as instâncias de poder, repletas de arremedos de gente que ofusca a falta de conteúdo do discurso com um palavreado estéril. Wittgenstein diz que a linguagem mascara o pensamento, aqui disfarça o vazio. Aprendizes de pensamento único de escola partidária, gente de frases feitas reproduzidas à exaustão, sem a coerência ou a memória que implique a vergonha que vai do que disseram ontem ao que fazem hoje. Gente esponjosa e bafienta que conspurca tudo o que toca. Todos iguais, em circuito fechado, ninguém daria pela troca do nome do boneco. Esta gente com os seus programas de infelicidade. Bufões. Depois deles não virá o caos.
A saída está na mudança de paradigma. De dentro já não conseguimos ver. É necessário mudar a própria forma de pensar, abandonar a formatação, redefinir prioridades. Não será tanto a Democracia que está em causa, mas a forma de a pensar. Daí não virá o abismo, como dão a entender os aspirantes a profetas e vigilantes interessados em perpetuar um status quo conveniente. De repente, convencionou-se como inevitável a necessidade de reduzir a zero conquistas de séculos e de vidas. HÁ, deve haver, direitos adquiridos. Recusá-los é um retrocesso civilizacional. Mas aceitamos os arautos da desgraça sem questionar. É preciso colocarmo-nos de fora e alterar a nossa perspectiva sobre o mundo. As profecias cumprem-se a partir do momento em que nelas acreditamos cegamente. Talvez cessem a partir do momento em que deixemos de o fazer. Não são tanto as circunstâncias que fazem a nossa vida, mas antes o que fazemos a partir delas.
O pensamento crítico está ausente da política, porque foi expulso das escolas e das universidades. A escola deve assumir-se como instituição crítica para que o Estado deixe de ser manipulador (Ivan Illich) e castrador. Abandonando aquela que foi a sua base e razão de ser durante séculos, as Artes e Humanidades, os sistemas educativos actuais visam apenas a formação de “gerações de máquinas eficazes” (M. Nussbaum) obcecadas com o lucro, tudo subordinando ao desenvolvimento das forças produtivas (Castoriadis). Com os políticos habituámo-nos a colocar sempre o contador a zero a cada ritual eleitoral. É importante que percebamos que é possível mudar e que chegou o tempo de ripostar e depor esta política e os seus cães-de-guarda. Para que de cada estudante brote um cidadão. Para que nasça um novo homem político que se importe.
As Humanidades ajudam na adopção de uma perspectiva não contaminada que contribua para arrancar as pessoas à complacência, recuperando-as para o que importa. O futuro não é inevitável. Não está escrito. Não existe. A crise, qualquer uma, mesmo as que nos impõem com base em especulações feitas para não serem inteligíveis, é sempre um momento catártico, de conflito e decisão. Uma boa altura para levantar a voz, limpar a casa e fazer o que é correcto. Recuperar a Ética. E só isto. Ou então já estamos mortos.

segunda-feira, 18 de junho de 2012

OS LIVROS ÀS COSTAS


«Estamos a mudar de casa, a dormir na casa antiga e a transformar a casa nova, que era tão bonita, quando estava vazia, numa instalação anos 70 de pilhas de livros.


Saem caros e dão trabalho os livros que mudam de casa muitas vezes. Sofrem com as mudanças mas eu sibilo, entredentes, que é bem feito. É um pesadelo no verdadeiro sentido da palavra: é como aqueles sonhos em que se tenta fazer sempre a mesma coisa, sempre sem conseguir.

As pessoas que não percebem nada de livros e aquelas que "adoram" livros e acham que têm "imensos" porque têm umas centenas e "não têm onde arrumá-los"; que "amam" o cheiro dos livros e "não resistem" quando entram numa livraria; que eram "incapazes" de ter um Kindle porque "não prescindem" do peso e da "sensualidade, quase", de ter um livro impresso nas mãos, que folheiam como quem dedilha uma harpa ou uma peça de genitália; essas pessoas não se cansam de nos confortar, dizendo-nos que, quando os livros estiverem todos arrumadinhos (que nunca ficam), vamos sentir-nos em casa, contentes que cada livro está outra vez no lugar que era o dele.

É mentira. Os livros são uma praga. Quem tem o vício deles não se contenta com lê-los e tê-los. Precisa sempre de livros novos. E não prescinde dos velhos - mesmo daqueles de que não gostou muito e que tem a certeza de que jamais irá reler.

Que são a grande maioria. Aquela que se transporta. Aquela que mortifica. Aquela que revela a nossa futilidade. E despesa.»

(Miguel Esteves Cardoso, Público - 17/06/12)

quarta-feira, 6 de junho de 2012

Ray Bradbury - Mestre da ficção científica (1920-2012)


O mestre da ficção científica, o escritor norte-americano Ray Bradbury, autor de Fahrenheit 451 (1953), adaptado ao cinema pelo francês François Truffaut, e de Crónicas Marcianas (1950) morreu terça-feira, aos 91 anos, em Los Angeles.


“Mr. Bradbury morreu serenamente, a noite passada, em Los Angeles, depois de uma longa doença”, disse à Reuters um porta-voz da editora norte-americana HarperCollins. O seu neto Danny Karapetian e o biógrafo, Sam Weller, confirmaram a notícia ao blogue dedicado à ficção científica io9. “O mundo perdeu um dos seus maiores escritores e uma das pessoas que me eram mais queridas”, twittou Karapetian. “[Foi] a maior criança que conheci”, disse ainda ao blogue especializado.

Nascido em Agosto de 1920 no estado do Illinois, Ray Bradbury, um dos fundadores da literatura fantástica contemporânea, deixou-se fascinar pelos livros aos sete anos, com Edgar Allan Poe, e aos 17 estreava-se nas páginas de uma revista de ficção científica, com a primeira novela das quase 500 que assinou, “Script”.

Aos 14, quando os pais se mudaram para Los Angeles, transformara-se num rato de biblioteca e dizia muitas vezes que era um escritor autodidacta, que aprendera simplesmente a ler os grandes autores: “Ensinaram-me Shakespeare e Júlio Verne. Foi Edgar Allan Poe que me disse para escrever. […] Os grandes nomes foram a minha influência e com eles nunca precisei de mais conselhos”, contou numa entrevista agora citada pelo diário espanholEl País

Tendo começado pelas novelas de terror, foi com Crónicas Marcianas e Fahrenheit 451 que atingiu o sucesso. A primeira é uma obra sobre os riscos da desumanização perante o avanço científico, a segunda, feita numa máquina de escrever que precisava de uma moeda para funcionar, na biblioteca da Universidade da Califórnia, evoca os perigos do totalitarismo através da criação de uma era de guerra em ignorância, em que os bombeiros se ocupavam da queima de livros e não da extinção de incêndios, explicava ontem o diário britânico The Guardian

Autor prolífico – para além de centenas de novelas escreveu mais de 30 romances, contos e poemas, além de guiões para cinema e televisão –, Ray Bradbury fazia dos seus livros em que criava mundos fantásticos espaços de crítica aos excessos da sociedade contemporânea. Em 2010, por exemplo, chegou mesmo a defender numa entrevista ao jornalLos Angeles Times que os Estados Unidos precisavam de uma “revolução” para travar o poder desmesurado do Governo. “Na vida, como na escrita, devemos agir com paixão: [assim] as pessoas vêem que somos honestos e perdoam-nos muita coisa”, disse Bradbury noutra conversa citada esta quarta-feira pela AFP. 

Um dos autores mais lidos da sua geração, Ray Bradbury manteve até ao fim o mesmo entusiasmo, dizem familiares e amigos. “A coisa mais divertida da minha vida é levantar-me cada manhã e correr para a máquina de escrever porque tenho uma ideia nova”, confessou em 2000 este homem da ficção científica que sempre se recusou a publicar seus livros em formato electrónico e dizia com frequência que as pessoas tinham gadgets a mais. 

Fica o link para Fahrenheit 451 (legendado), talvez a mais famosa adaptação ao cinema de uma das suas obras, dirigida por François Truffaut em 1966


domingo, 3 de junho de 2012


Título original:
Die Welle / The Wave

Realização:Dennis Gansel
Intérpretes: Jürgen Vogel, Frederick Lau, Max Riemelt
Género: Drama

Sinopse:
Um professor do ensino secundário propõe aos seus alunos uma experiência que tem como objectivo perceberem como funciona um regime totalitário. Os alunos iniciam então o projecto que terá consequências trágicas. Ao fim de alguns dias, noções inicialmente inofensivas tornam-se um verdadeiro movimento: a Onda. E ao terceiro dia, os alunos começam a excluir e perseguir aqueles que não se unem à causa. Quando o conflito explode e a violência vem ao de cima, o professor resolve terminar o projecto. Mas é demasiado tarde, a Onda já é incontrolável. (Cinecartaz)





Crítica:

"Com tanta oferta cinematográfica de maior ou menor qualidade, existem sempre aqueles pequenos objectos de culto que fazem a diferença. "Die Welle" é desses objectos e se tivesse direito a uma maior projecção seria um daqueles filmes que faria concorrência a muitos blockbusters. O filme é baseado em factos reais, numa experiência chamada "The Third Wave" onde o professor Ron Jones questionou os seus alunos da génese de um movimento como o nazismo. No filme a discussão é a mesma sendo que a questão que se coloca : Será possível viver uma nova ditadura na Alemanha? Inserida num projecto de uma semana, o professor incute-lhes alguns princípios adoptados pelo regime como a importância de unicidade num grupo, a utilização de uniformes, uma postura correcta e ordenada. O certo é que os alunos começam a adoptar essa postura e começam a aceitar e interiorizar esses mesmos conceitos e como uma mancha o projecto começa a ganhar novos adeptos chegando a proporções que levam a um clímax dramático. Tecnicamente o filme não é nenhuma obra prima, as actuações do elenco jovem estão seguras e não desiludem. Podíamos estar perante um objecto menor do calibre de "Morangos com Açúcar" mas não é o caso, se bem que inevitavelmente existem alguns clichés próprios de este género de filmes (o caso mais recente Twilight), "A Onda" preocupa-se mais em transmitir a sua mensagem e fá-lo de forma natural sem nunca o tornar forçado.
A única crítica de maior que reitero é relativamente ao final. Sem querer dar qualquer tipo de "spoilers" e sem conhecer a veracidade dos factos é inegável que se obtém a resposta à questão principal do filme, porém a mensagem que esse final transmite pode levar a outras interpretações algo falaciosas e erráticas, isto porque a percepção com que se fica é que o filme atinge o seu clímax dramático final por força de argumento, sendo que a verdade ficcional impera sobre a realidade num opus de dramatismo e de tragédia algo exagerado, mas eficaz em termos de impacto em públicos mais susceptíveis. Numa sociedade cada vez mais ambivalente em termos de valores culturais, isentos de qualquer tipo de ordenação e cada vez mais descaracterizadas, basta uma pessoa com carisma suficiente a oferecer um sentido de ordem, unidade e identidade a um grupo, que facilmente moverá massas. Crítico sem nunca cair no burlesco " A Onda" é um pequeno grande filme a ser descoberto antes que se desvaneça no oceano de oferta cinematográfica que aí vem!" (Portal Cinema)

Como escrever um ensaio filosófico


segunda-feira, 28 de maio de 2012

Persépolis (2007) de Vincent Paronnaud e Marjane Satrapi

(adaptação da BD homónima de Marjane Satrapi)
Intérpretes: Chiara Mastroianni, Catherine Deneuve, Danielle Darrieux
País: França, EUA
Género: Animação, Drama
Duração: 95 min.
Classificação: M/12
Sinopse:
O filme conta a história de uma menina que cresce no Irão durante a Revolução Islâmica. É através dos olhos da precoce e extrovertida Marjane, de 9 anos, que vemos a esperança de um povo ser destruída quando os fundamentalistas tomam o poder, forçando as mulheres a usar o véu e mandando para a prisão milhares de pessoas. Inteligente e destemida, Marjane consegue fintar os "guardas sociais" e descobre o punk, os Abba e os Iron Maiden. Mas, quando o seu tio é cruelmente executado e as bombas começam a cair sobre Teerão durante a guerra Irão/ Iraque, o medo diário que invade o quotidiano do Irão torna-se palpável. À medida que vai crescendo, a ousadia de Marjane torna-se uma constante fonte de preocupação para os seus pais que temem pela sua segurança. Assim, aos 14 anos, tomam a difícil decisão de a enviar para uma escola na Áustria. Vulnerável e sozinha numa terra estranha, tem que enfrentar as típicas contrariedades dos adolescentes. Além do mais, Marjane é confundida com o fundamentalismo religioso e o extremismo, exactamente as coisas de que fugiu no seu país. Com o tempo, acaba por ser aceite e até conhece o amor, mas com o fim do liceu começa a sentir-se sozinha e cheia de saudades de casa. Apesar de isso significar ter que pôr o véu e viver numa sociedade tirânica, Marjane decide regressar ao Irão para estar mais perto da sua família. Após um difícil período de ajustamento, entra para uma escola de artes e casa-se, embora continue a levantar a sua voz contra a hipocrisia a que assiste. Aos 24 anos, percebe que, apesar de ser profundamente iraniana, não pode continuar a viver no Irão. É então que toma a dilacerante decisão de trocar a sua terra natal pela França, cheia de optimismo em relação ao futuro, moldada indelevelmente pelo seu passado.  (cinema.ptgate)



quinta-feira, 24 de maio de 2012

O Fim da Política


Vale a pena ganhar algum tempo e ler este texto do Grupo Krisis. A edição portuguesa data de 2003 e qualquer semelhança com a actual situação já não é mera coincidência.
  
A crise do trabalho arrasta consigo necessariamente a crise do Estado e, portanto, da política. Basicamente, o Estado moderno deve a sua carreira ao facto de o sistema produtor de mercadorias precisar de uma instância superior que garanta, no quadro da concorrência, os fundamentos jurídicos e os pressupostos da valorização do capital – incluindo um aparelho repressivo para o caso de o material humano se insubordinar contra o sistema. Na sua forma amadurecida de democracia de massas, no século XX, o Estado teve de assumir, de forma crescente, encargos de natureza socio-económica: não apenas o sistema de segurança social, mas também a saúde e a educação, a rede de transportes e de comunicações, infra-estruturas de todo o tipo que se tornaram indispensáveis para o funcionamento da sociedade do trabalho, enquanto sociedade industrial desenvolvida, mas que não podem ser organizadas de acordo com o processo de capitalização da economia empresarial. E isto porque as infra-estruturas têm de estar permanentemente disponíveis para o conjunto da sociedade e têm de cobrir todo o território, não podendo portanto ser obrigadas a adaptar-se às conjunturas da oferta e da procura no mercado.

Mas como o Estado não é uma unidade autónoma de valorização do capital, e portanto não pode transformar trabalho em dinheiro, tem de ir buscar dinheiro ao processo de capitalização realmente existente para financiar as suas tarefas. Esgotado o processo de ampliação do capital, esgotam-se também as finanças do Estado. Aquele que parecia ser o soberano da sociedade revela-se afinal totalmente dependente da cega e fetichizada economia da sociedade do trabalho. Pode legislar como bem entender, mas, quando as forças produtivas crescem para além do sistema de trabalho, o direito estatal positivo fica no vazio, uma vez que só pode referir-se a sujeitos do trabalho.

Com o desemprego de massas, sempre crescente, secam as receitas estatais provenientes dos impostos sobre os rendimentos do trabalho. As redes sociais rompem-se assim que se atinge uma massa crítica de «supérfluos» que, em termos capitalistas, só podem ser alimentados através da redistribuição de outros rendimentos financeiros. Na situação de crise, com o acelerado processo de concentração do capital, que ultrapassa as fronteiras das economias nacionais, desaparecem também as receitas fiscais resultantes da tributação dos lucros das empresas. Os trusts transnacionais obrigam os Estados em competição pelos investimentos à prática dodumping fiscal, social e ecológico.

É precisamente este processo que leva o Estado democrático a transformar-se em mero administrador da crise. Quanto mais se aproxima do estado de emergência financeira, mais se reduz ao seu núcleo repressivo. As infra-estruturas são orientadas segundo as necessidades do capital transnacional. Como outrora nos territórios coloniais, a logística social restringe-se cada vez mais a um número restrito de centros económicos, enquanto o resto fica abandonado. Privatiza-se o que pode ser privatizado, mesmo que com isso cada vez mais pessoas fiquem excluídas das mais elementares formas de abastecimento. Quando a valorização do capital se concentra num número cada vez menor de ilhas do mercado mundial, deixa de ser possível dar cobertura ao abastecimento das populações em todo o território.

Na medida em que tal não diga directamente respeito aos sectores relevantes para a economia, já não interessa saber se os comboios andam ou se as cartas chegam ao destino. A educação passa a ser um privilégio dos vencedores da globalização. A cultura intelectual, artística e teórica é entregue ao critério do mercado e agoniza. O sistema de saúde deixa de ser financiável e degenera num sistema de classes. Primeiro lenta e disfarçadamente, depois de modo aberto, passa a valer a lei da eutanásia social: quem é pobre e «supérfluo» deve morrer mais cedo.

Apesar de toda a abundância de conhecimentos, capacidades e meios da medicina, da educação, da cultura, da infra-estrutura geral, a lei irracional da sociedade do trabalho, objectivada em termos de «restrição ao financiamento», fecha-os a sete chaves, desmantela-os e atira-os para a sucata – exactamente como acontece com os meios de produção agrários e industriais que deixaram de ser «rentáveis». O Estado democrático, transformado num sistema de apartheid, nada mais tem para oferecer àqueles que até agora eram os cidadãos do trabalho do que a simulação repressiva da ocupação em formas de trabalho barato e coercivo, e o desmantelamento de todas as prestações sociais. Num estádio mais avançado, é a própria administração estatal que pura e simplesmente se desmorona. Os aparelhos de Estado tornam-se mais selvagens, transformando-se numa cleptocracia corrupta, os militares transformam-se em bandos armados mafiosos e a polícia em assaltantes de estrada.

Não há política no mundo que possa parar este desenvolvimento e, muito menos, invertê-lo. Pois a política é, por essência, uma acção em referência ao Estado; consequentemente, com a desestatização, ela fica sem objecto. A fórmula democrática de esquerda, que fala da «progressiva configuração política» das relações sociais, torna-se cada dia mais ridícula. Para além de uma repressão sem fim, do desmantelamento da civilização e do apoio ao «terror económico», já não há nada para «configurar». Uma vez que a finalidade autotélica da sociedade do trabalho é o pressuposto axiomático da democracia política, não pode haver nenhuma regulação político-democrática para a crise do trabalho. O fim do trabalho é o fim da política.
 (Grupo KrisisManifesto contra o Trabalho, trad. José Paulo Vaz, Antígona, Lisboa, 2003) - Negrito meu - imagem

segunda-feira, 7 de maio de 2012

Exercício de análise textual para alunos de 10º ano (mas que pode ser aproveitado por todos)


Todo o Estado, ou sociedade política, se compõe de três partes ou classes de cidadãos: os que são muito ricos, os que são muito pobres e, enfim, aqueles que se encontram numa condição média, ou intermediária, entre os dois primeiros (...). Os homens (que estão) nessa situação (os da classe média) submetem-se facilmente à razão; pelo contrário, naquele que possui no mais alto grau as vantagens da beleza, da força, do nascimento ou da riqueza, e bem assim naquele que possui em excesso a pobreza, a fraqueza ou a abjecção, tal submissão é muito difícil de obter. Pois os primeiros estão mais sujeitos a tornar-se violentos e arrebatados e a tentar actuações audaciosas contra o Estado; e os segundos são mais inclinados à intriga e à prática de numerosas pequenas desordens. Ora, a violência e a intriga são duas fontes de iniquidades. Pelo contrário os cidadãos de condição média não empregam violências nem intrigas, porque não ambicionam as magistraturas.
Aqueles que gozam de vantagens imensas (...) não querem nem sabem obedecer aos magistrados; e este espírito de insubordinação manifesta-se neles desde a infância; pois a moleza em que são educados impede-os de contrair o hábito da obediência, mesmo nas escolas. Ao passo que aqueles que têm uma carência excessiva de todas essas vantagens tornam-se demasiado humildes e rastejantes. De maneira que estes, incapazes de comandar, não sabem senão mostrar uma submissão servil; e aqueles, incapazes de se submeter a qualquer poder legítimo, não sabem senão exercer uma autoridade despótica.
Se numa cidade só há gente muito rica e gente muito pobre isso implica que a Cidade não se compõe senão de senhores e de escravos - e não de homens livres; uns, cheios de desprezo pelos seus concidadãos, os outros tomados pelo sentimento da inveja; o que fica muito longe da boa vontade e do carácter de sociabilidade que são apanágio do verdadeiro cidadão. Pois a benevolência é o elemento ou condição da sociabilidade: é assim que nós não apreciamos de todo fazer uma viagem com inimigos nossos. Por isso, é necessário que a república seja composta o mais possível por cidadãos semelhantes e iguais; o que só acontece quando todos estão, o mais possível, numa condição média.
Os cidadãos da classe média são também os que se mantêm e conservam melhor: pois não desejam os bens dos outros, como os pobres, nem são eles próprios objecto de inveja ou de ciúme, como os ricos (...). Não são tentados a prejudicar ninguém, e ninguém procura prejudicá-los a eles. (...) É evidente que a sociedade civil mais perfeita é a que existe entre cidadãos que vivem numa condição média; e que não pode haver Estados bem administrados senão aí onde a classe média é numerosa, e mais poderosa do que as outras duas, ou pelo menos mais poderosa do que cada uma das outras; porque ela pode fazer inclinar a balança em favor do partido a que se juntar e, por este meio, pode impedir que uma ou outra (das outras duas) obtenha uma superioridade decisiva.
E pois uma grande sorte que os cidadãos possuam uma fortuna mediana, suficiente para as suas necessidades. Pois, quando uns têm riquezas imensas e os outros não têm nada, daí resulta sempre ou a pior das democracias, ou uma oligarquia desenfreada, ou uma tirania insuportável, consequência necessária dos dois excessos opostos.
(Aristóteles, A Política)

Agora, explica as razões que levam Aristóteles a defender que uma sociedade harmoniosa deve possuir uma classe média numerosa.
(imagem: Escola de Atenas de Rafael) - negrito meu

quinta-feira, 3 de maio de 2012

Um dia destes num país perto de si


Fernando Lopes (28 de Dezembro de 1935 - 2 de Maio de 2012)

Entre outros... Deixa-nos Belarmino.


Belarmino (Portugal, 1964)

Realização: Fernando Lopes
Diálogos: Fernando Lopes, Baptista-Bastos, Manuel Ruas
Actores: Júlia Buísel, Belarmino Gragoso, Albano Martins, Tony Alonso
Fotografia: Augusto Cabrita

Sinopse:
Belarmino aborda o declínio da existência, entre memórias e nostalgia, de um antigo campeão de boxe, Belarmino Fragoso - um homem de origem humilde surpreendido pelo sucesso, até ao resvalar da sua vida marginária e popular, pela cidade em que viveu: Lisboa

"Belarmino, nome real de um boxeur em decadência que interpreta o seu próprio papel, é sobretudo um belo filme confessional, perseguição de uma voz sempre off (voz do entrevistador) ao rosto quase sempre presente do protagonista. Implacável campo-sem-contra-campo, o filme é uma habilíssima articulação entre o flash-back e o frente-a-frente. Se Belarmino tivesse vivido noutro país, talvez fosse um grande campeão. Esta afirmação, feita no filme, faz passar Belarmino do fait-divers para a tragédia. (...) É um filme construído sobre o combate de um personagem com um décor, essa portentosa Lisboa do filme que só pode levá-lo ao K.O. em qualquer round."

(João Bénard da Costa, in Histórias do Cinema, Sínteses da Cultura Portuguesa, Europália 91, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Lisboa)


"No início dos anos 60, quando o movimento do Cinema Novo português tomava forma e iniciativa, muitas eram as vias delineadas pela geração de cineastas em ascensão. Apenas um ousou não fazer ficção e abordar o cinema-directo: Fernando Lopes com Belarmino (...). Traçando (via entrevista conduzida pelo jornalista Baptista-Bastos) o perfil do pugilista Belarmino Fragoso, é de Lisboa-cidade e da respiração acossada do País que este filme fala. Imagens secas, palavras rudes, ao diabo a verdade-mentira desse homem sozinho. A ambiência empapada e cinzenta dos lisboetas anos 60 está lá, engravatada e dispersa, anónima num destino emigrante para levar porrada. Grades e música de jazz, em estilhaços gritados. Nem sonhos, nem ilusões, cansaço. E uma montagem que quer levantar voo e a realidade não deixa. Nem condoído nem exaltante: Belarmino é apenas um murro no estômago."
Jorge Leitão Ramos, in Dicionário do Cinema Português 1962-1988, ed. Caminho, Lisboa, 1989

"A espontaneidade, o sentido visual, a descoberta da realidade escondida pela câmara de Augusto Cabrita, um grande fotógrafo, colega do realizador na RTP, são o melhor do filme, já que a entrevista é sobretudo um documento sociológico, embora Fernando Lopes (e o seu montador, Manuel Ruas, um homem que vinha dos cineclubes) procurasse harmonizar as duas realidades audiovisuais: Berlarmino a falar e a cidade vista pelos seus olhos. Também a música pertencia a novos elementos e trazia o jazz, creio que pela primeira vez, para música de fundo de um filme português, com assinatura de Manuel Jorge Veloso e Justiniano Canelhas.

sexta-feira, 27 de abril de 2012

"I Am Fishead" Are Corporate Leaders Egotistical Psychopaths ?

Por Misha Votruba e Vaclav Dejcmar

It is a well-known fact that our society is structured like a pyramid. The very few people at the top create conditions for the majority below. Who are these people? Can we blame them for the problems our society faces today? Guided by the saying “A fish rots from the head”we set out to follow that fishy odor. What we found out is that people at the top are more likely to be psychopaths than the rest of us.
Who, or what, is a psychopath? Unlike Hollywood’s stereotypical image, they are not always blood-thirsty monsters from slasher movies. Actually, that nice lady who chatted you up on the subway this morning could be one. So could your elementary school teacher, your grinning boss, or even your loving boyfriend.
The medical definition is simple: A psychopath is a person who lacks empathy and conscience, the quality which guides us when we choose between good and evil, moral or not. Most of us are conditioned to do good things. Psychopaths are not. Their impact on society is staggering, yet altogether psychopaths barely make up one percent of the population.
Through interviews with renowned psychologist Professor Philip Zimbardo, leading expert on psychopathy Professor Robert Hare, former President of Czech Republic and playwright Vaclav Havel, authors Gary Greenberg and Christopher Lane, professor Nicholas Christakis, among numerous other thinkers, we have delved into the world of psychopaths and heroes and revealed shocking implications for us and our society.

quinta-feira, 26 de abril de 2012

BRAM STOKER (8 de Novembro de 1847 - 20 de Abril de 1912


Bram Stoker. Até à última gota de um filão literário
A Roménia do século XV não sorria a esposas infiéis, damas promíscuas, deslizes de súbditos ou a qualquer outro tipo de inimigo particular de Vlad, o Empalador, título granjeado com a sua predilecção para punir adversários de uma forma particularmente medonha. Dispensaremos detalhes das execuções para o caso de ainda não ter almoçado e pretender fazê-lo em breve – os requintes de malvadez incluem o arrancar de peles a vivos e outras modalidades de sofrimento prolongado em público. Os métodos pouco amistosos valeram-lhe outro cognome, herdado do pai, Draculea, ou “filho do dragão”, uma bandeira da sociedade cristã romana criada por nobres da região para defender o território da invasão dos turcos otomanos.
Dentes cravados no pescoço seriam o menor dos males para as vítimas deste príncipe de carne e osso, que espalhou o terror pela Transilvânia e inspirou Bram Stoker na criação do seu “Dracula”, uma ficção de terror com laivos góticos e caninos afiados, saída de uma pesquisa do irlandês pelo folclore europeu.
A obra, publicada pela primeira vez em 1897, esteve longe de ser sucesso instantâneo entre a sociedade de final do século XIX, apesar de as críticas lhe renderem a devida vénia. Stoker evidenciava-se ao ponto de fazer sombra a Mary Shelley e Edgar Allan Poe mas estaria longe de acreditar que o imaginário mitológico do vampiro ganharia o estatuto de lenda no século seguinte e mais além. Que as histórias de gelar o sangue se perpetuariam em romances posteriores, palcos de teatro e sagas no cinema, seja em versão paródia, em encontro tântrico entre adolescentes, ao melhor estilo “Crepúsculo”, ou impregnado de propriedades regeneradoras e de uma carga sexual superior à repulsa do conde macabro por alho, em jeito “True Blood”.
Por mais que se mudem os tempos e as adaptações, prevalece quase sempre um denominador comum na sua biografia. Saído da Idade Média, Drácula foi um conde da Transilvânia que se tornou um vampiro e feiticeiro e assolou a Inglaterra séculos depois. Stoker distinguiu-se ao sugar as superstições e o combate aos demónios legado por civilizações ancestrais, as histerias colectivas, os pavores do patriarcado vitoriano, catalisando as ansiedades de uma era, inspirado pelo sucesso da obra de 1819 de John Polidori, “The Vampyre”, que fixou o arquétipo da figura carismática.
O vampiro mais famoso da literatura é, segundo o Livro do Guiness, o monstro fictício com maior número de aparições. No cinema, estreou-se em “Nosferatu”, ainda que o expressionismo mudo de F. W. Murnau não tenha contado com a permissão dos herdeiros do escritor para a realização da obra, em 1922. Processado por violação de direitos de autor, as cópias do filme que sobreviveram à destruição imposta pela justiça permaneceram guardadas até a morte da viúva de Bram Stoker. “Nosferatu” viria a contar com uma versão actualizada de Werner Herzog, em 1979.
A primeira adaptação autorizada remonta a 1931, com Béla Lugosi dirigido por Tod Browning, no papel do nobre anfitrião de um castelo nos Montes Cárpatos que se revela um vampiro sedento de sangue humano que só pode sair à noite, sob a forma de morcego, lobo, ou envolto numa espessa névoa. Há ramificações da história para todos os gostos. Em 1943, Lon Chaney Jr. é “O Filho do Drácula”. Terence Fisher destaca “As mulheres do Drácula” em 1960.
Em 1992, Francis Ford Coppola filma “Drácula de Bram Stoker”, com Gary Oldman, Winona Rider, Keanu Reeves e Anthony Hopkins. Já em 2004, “Van Helsing” apresenta Hugh Jackman como caçador de monstros, entre eles o omnipresente Drácula.
A vida de Abraham “Bram” Stoker foi menos empolgante que a de qualquer soberano da Europa oriental, com mais ou menos tendências bizarras, exceptuando o facto de ter conquistado uma ex-pretendente de Oscar Wilde. Nasceu a 8 de Novembro de 1847, em Dublin, onde frequentou o Trinity College. Mais tarde formar-se-ia em matemática pura. Em 1866 é contratado para trabalhar no castelo de Dublin e escreve o manual “Deveres dos Amanuenses e Escrivães nas Audiências para Julgamento de Pequenas Causas e Delitos na Irlanda”. Em 1878 casa-se com Florence Balcombe e aceita a oferta de um amigo, o actor Henry Irving, para administrar o Royal Lyceum Theatre de Londres. Noel, o único filho do casal, nasce um ano depois, quando Stoker publica o seu primeiro livro, “The Duties of Clerks of Petty Sessions in Ireland”, seguindo-se a colectânea de contos “Under the Sunset”. Stoker foi crítico de teatro num jornal irlandês e engrossou a equipa literária do londrino “Daily Telegraph”.
“Drácula”, a base da ficção moderna sobre vampiros, terá começado a ser escrito em 1890, apesar de à data o romance, que lançaria sete anos mais tarde, ainda não ter título. Livros como “O Castelo da Serpente” (1981) ou os posteriores “O Caixão da Mulher-Vampiro” (1909) e “A Toca do Verme Branco” (1911), o seu derradeiro romance, denotam a inclinação para o fantástico. Stoker, que sofreu um derrame cerebral em 1905, ano da morte do amigo Irving, termina os seus dias em Londres, a 20 de Abril de 1912.

quarta-feira, 25 de abril de 2012

Isto é quase sobre o 25 de Abril


Andava eu pelos quinze anos e corria 1988. Frequentava o décimo ano do curso de Humanidades e era uma sala cheia de mulheres, cinco tipos para cerca de vinte raparigas. E isso era bom.
Cresci numa família em que a política sempre esteve sentada à mesa e os adjectivos não se poupavam aos seus piores intérpretes, aqueles que se iam anafando com o poder sem ligar pataco ao povo eleitor. Dia-sim-dia-sim, uma discussão com o meu pai, egocentrismo adolescente versus cristalização de ideias própria da idade adulta, luta de titãs, iludia-me eu, na realidade, apenas arrogância e euforia do puto que dava os primeiros passos no uso da razão. Mas isso sei eu agora e sabia já ele na altura. Falta-me ele e a sua argumentação irritante. Haveria de achar piada a esta coisa amorfa que vivemos, penso que podia até, veja-se bem como o mundo é composto de mudança, dar-lhe razão, pelo menos numa coisa ou outra menos importante. Nunca dei o braço a torcer. Gosto de pensar que nisso sou parecido com ele. E sinto que isso é bom.
Por essas e por outras, o 25 de Abril nunca me foi estranho, tal como o antes e o depois e o entendimento do que significava a privação de liberdade e a conquista da mesma.
O passado é uma coisa mutante, uma mescla de realidade-que-já-não-é com imaginação-criativa-e-tendenciosa-que-gostávamos-que-fosse. Ainda assim, tenho em mim a imagem, mais ou menos distinta, de uma turma de Humanidades curiosa e interventiva. Havia pessoas com ideias e convicções, não tão boas como as minhas, claro está, mas estavam lá e havia luta. E isso era bom.
Calhou-me em sorte uma professora de Filosofia demasiado jovem que volta e meia se esquecia dos rapazes numa turma que era um mar de raparigas e embarcava por conversas e gestos que, mais não fosse, nos traziam de volta da Lua à sala de aula. E isso era bom. No ano seguinte, o azar compensou-nos com um professor de formação padreca.
Sentado na última carteira, com vista para a rua incluída no pacote, a atenção era só a necessária. Ao meu lado estava o Nuno, dois anos mais velho e a mesma atenção. Já nos tínhamos cruzado, mas foi nesse ano que nos conhecemos. Na teoria, trazíamos o manual em aulas alternadas, na prática acertámos meia-dúzia de vezes. Continuo a ver o Nuno de vez em quando, não convivemos, mas ainda o tenho como amigo. Acredito que ele pensará de forma semelhante. E isso é bom. Vou enviar-lhe este texto.
Numa dessas aulas de Filosofia, sei lá a propósito de quê, disse-me o Nuno que o seu pai tinha festejado o seu nascimento em plena Serra da Gardunha, às escondidas, com três ou quatro amigos de confiança. Que fazê-lo em casa era arriscado, não era dia de alegrias e festejos, mesmo a pretexto do berro para a vida do primogénito. Alguém ouviria e chamaria as autoridades. As paredes tinham mais ouvidos que hoje. E olhos também.
O Nuno nasceu a 27 de Julho de 1970, dia da morte de António de Oliveira Salazar. Faltavam quatro longos anos para o 25 de Abril, as pessoas ainda se confundiam muito quanto aos direitos e deveres e a liberdade era uma coisa estranha. Ainda hoje as pessoas se confundem quanto a isso tudo. E isso é mau.
Sei bem que há muitas outras histórias, bem mais importantes e sérias, terríveis, sobre a ditadura e o 25 de Abril. Mas a liberdade, ou a falta dela, também se constrói de pequenas coisas com significado. Um pai e a alegria escondida do primeiro filho. Coisas para não apagar nunca. Para que não volte a ser mau.
Nuno, gosto de pensar que ando perto da verdade. Faz de conta, que nem me digas o contrário, afinal, o passado é o que queremos fazer dele.
Como o 25 de Abril.
Como o futuro.
A jogada volta a estar do nosso lado.