Um outro olhar sobre o mundo

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sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Relatório 2010. Alunos não sabem raciocinar nem escrever

Estudo do Ministério da Educação em 1700 escolas revela a dificuldade dos alunos em resolver exercícios que não sejam básicos
 
Estruturar um texto encadeado, explicar um raciocínio com lógica, utilizar uma linguagem rigorosa ou articular diferentes conceitos da mesma disciplina são incapacidades que percorrem os alunos do 8.o ao 12.o ano de escolaridade, seja na Matemática, seja na Língua Portuguesa ou na Biologia. Mais que dominar a matéria, a grande dificuldade dos estudantes das escolas básicas e secundárias é expressar por escrito as suas ideias e os conhecimentos que adquiriram nas aulas. Esta é a principal conclusão do Relatório 2010 do Gabinete de Avaliação Educacional (Gave).

Poucas semanas depois de o estudo do PISA revelar que Portugal é o país da OCDE que mais progrediu na educação, chega agora o relatório do Gave que vem demonstrar que os alunos portugueses afinal estão ainda longe de conseguir desempenhar tarefas tão simples como, por exemplo, interpretar um texto poético, solucionar um exercício matemático com mais de duas etapas ou enfrentar um enunciado que não seja simples e curto.

A equipa do Ministério da Educação avaliou os conhecimentos dos alunos em 500 escolas secundárias e em 1200 estabelecimentos com o 3.o ciclo do ensino básico. Os testes intercalares do Gave, que começaram no ano lectivo de 2005/06, foram aplicados às disciplinas de Matemática e de Língua Portuguesa (no ensino básico) e ainda às cadeiras de Matemática A, Física e Química A e Biologia e Geologia do ensino secundário.

Nas disciplinas que envolveram contas (Matemática e Física/Química), os adolescentes só conseguiram completar correctamente os exercícios quando o desafio passou por resolver "cálculos elementares". O bom desempenho, aliás, está "fortemente associado" aos enunciados curtos e aos textos simples, conclui o relatório que o i consultou.

Na disciplina de Língua Portuguesa do 9.o ano, as maiores dificuldades estão em utilizar a língua de forma correcta. As lacunas são de ordem gramatical, mas também de construção de frases e textos que tenham lógica e coerência. A resolução de problemas na Matemática do 3.o ciclo é o ponto fraco dos alunos, mas as derrapagens também aconteceram quando foi preciso construir respostas com várias etapas de resolução. Definir estratégias para encontrar a solução de um determinado exercício matemático são dificuldades que se acentuam sempre que os enunciados são mais longos, avisam os técnicos do Ministério da Educação.

Secundário. Escrever textos explicativos em que é necessário descrever raciocínios e explicar as estratégias adoptadas para justificar as respostas é uma das grandes deficiências que os especialistas do Gave encontraram em todas as disciplinas avaliadas no secundário. A falta de rigor científico e a linguagem desadequada foram falhas detectadas por todas as equipas que monitorizaram e avaliaram o desempenho dos alunos. Sempre que foi preciso seleccionar a informação e construir um texto que traduzisse um conjunto de ideias próprias, os alunos revelaram "grandes dificuldades".

Na Matemática A do secundário, as fraquezas dos alunos tornaram-se mais evidentes quando tiveram de usar conceitos e estratégias menos treinados nas salas de aula ou então quando foram desafiados a interligar conceitos ou enfrentar enunciados longos. "Não deixam também de ser significativas as dificuldades detectadas nos problemas que envolvem maior número de cálculos e apresentação de raciocínios demonstrativos", alertam os especialistas no relatório de 2010.

Conseguir articular a informação fornecida nas provas e os conhecimentos necessários para responder a determinadas questões é igualmente uma tarefa a que poucos alunos conseguiram corresponder com êxito nos testes intermédios de Biologia e Geologia do 10.o e 11.o anos de escolaridade.

Nas disciplinas de Física e Química A, o desempenho dos alunos decresceu sempre que se exigiu uma avaliação crítica das informações contidas nas provas. Articular várias competências ou fazer cálculos que envolvam duas ou mais etapas são outras fragilidades dos alunos portugueses.

por Kátia Catulo , Publicado em 31 de Dezembro de 2010  

 

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

100 anos sem Mark Twain

Há cem anos a notícia da morte de Mark Twain não foi exagerada

Este texto poderia começar com uma das dezenas de citações famosas de Mark Twain, o autor que considerava deixar de fumar "a coisa mais fácil do mundo": ele próprio o tinha feito uma porção de vezes. Mas houve coisas realmente importantes na sua história. Samuel Clemens, nome de baptismo, foi um dos mais importantes autores americanos do século XIX, que através do sarcasmo e da ironia, descreveu e criticou a sociedade americana, bem como toda a espécie humana. Não poupou governos, Igreja, políticos e riquezas acumuladas. Faz amanhã cem anos que Mark Twain morreu, quatro meses depois da sua filha mais nova. Tinha 74 anos e deixou mais de 30 livros publicados (entre eles "As Aventuras de Huckleberry Finn", de 1884), centenas de contos e ensaios.

Um século depois, Tom Sawyer continua a fazer parte do imaginário de todos. O personagem, inspirado em três amigos de Mark Twain, vive aventuras reais (sempre descalço), assumidamente baseadas na vida do escritor.

Twain vs Sawyer
Twain tinha 12 anos quando abandonou a escola e decidiu tornar-se aprendiz numa gráfica. A escola não era, aliás, o seu lugar preferido, como deixa bem claro uma das suas famosas citações: "Nunca deixei que a escola atrapalhasse a minha educação."

Da mesma forma, Tom Sawyer é um miúdo de 12 anos que considera a escola uma perda de tempo, não desperdiçando uma oportunidade de fazer gazeta. Mesmo que as consequências sejam castigos severos, dos quais, de alguma forma, ele consegue quase sempre escapar.

Mississípi
O rio é um dos elementos quase sempre presentes nas histórias de Twain. Tom Sawyer e Huckleberry Finn sobem e descem o rio de jangada, pescam nas margens e acreditam ser piratas a sério.

O escritor, que cresceu na margem do rio não foi um pirata mas chegou a ser piloto de um barco no Mississípi A aventura, porém, durou pouco: com o estourar da Guerra Civil, em 1861, o tráfico fluvial foi interrompido naquela região dos EUA.

Aventuras
Clemens foi um homem destemido. Assim que a sua carreira de piloto deu para o torto, o escritor rumou ao Nevada, em busca de riqueza. Contagiado pela febre da prata, participou na corrida ao metal precioso e tornou-se garimpeiro. Falhou. No entanto, e pela primeira vez, teve contacto com várias tribos de nativos americanos, experiência que passaria, mais tarde, para o papel. Tom Sawyer e Huck Finn são sinónimos de aventura.

Depois de terem fugido para se tornarem piratas a sério e de convencerem toda a cidade de São Petersburgo que tinham morrido, resolveram procurar um tesouro numa casa abandonada. Mas em vez de riquezas sem preço, dão de caras com o seu pior pesadelo: Joe, o índio.

A bíblia
Se Tom Sawyer vendia aos amigos os bilhetes distribuídos na catequese, como prémio para quem sabia os versículos bíblicos de cor, Mark Twain não fica atrás no que se refere ao escárnio da religião. Tom Sawyer sofria horrores a tentar decorar passagens da Bíblia e estava convencido que David e Golias tinham sido dois discípulos de Jesus. Twain optou por escrever cartas aos anjos, encarnando um outro anjo caído em desgraça: Satanás.

Em "Cartas da Terra", uma obra póstuma - conjunto de ficção, ensaios e notas do autor - Twain coloca Satanás a viver entre os homens, como um castigo imposto por Deus. A humanidade torna-se imediatamente objecto de estudo pelo tal do senhor das trevas: "O homem é uma curiosidade maravilhosa, no seu pior, é inqualificável, inimaginável. Apesar disso, intitula-se, de modo lisonjeiro e sincero, a "'mais nobre obra de Deus'". Nem Adão e Eva escapam ao sarcasmo de Twain, na obra "Os Diários de Adão e Eva".

A crítica
Se o livro "As Aventuras de Tom Sawyer" é muito mais do que uma história infanto-juvenil, "As Aventuras de Huckleberry Finn" é das obras de Twain mais críticas da sociedade americana.

Em "Tom Sawyer" o preconceito é retratado com Joe, o índio: o indiscutível mau da fita e alvo do ódio da cidade fictícia de São Petersburgo.

Em "Huckleberry Finn" - o pobre filho do bêbado da cidade - Mark Twain insurge-se contra a escravatura e denuncia o falhanço da reinserção dos afro-americanos na sociedade, no pós Guerra Civil.
(por Diana Garrido, Publicado em 20 de Abril de 2010 - ionline)