Arbeit Macht Frei?
Num ou noutro texto
publicado por aí, mais se falarmos de internet, vai circulando a ideia do
inevitável fim da sociedade do trabalho. Afinal, o trabalho não constituí a
satisfação de uma necessidade, mas apenas o meio para satisfazer outras
necessidades, disse-o Marx, o Karl, mas bem podia ter sido o Groucho. O
trabalho é uma maçada e isso do “sou
feliz é a trabalhar” coisa de quem pouco mais fez, dita da boca para fora
para evitar que nos tomem por mandriões. Tirando as excepções em que o trabalho
se vai confundindo com o prazer, ninguém gosta de trabalhar. Devia ser um
hobby.
Até meados dos anos sessenta do século passado, podemos dizer que o trabalho libertava da fome, do frio e, em alguns casos, de uma condição social desfavorável. Hoje o trabalho já não liberta do que quer que seja e nunca mais chegará para todos. Tal como previsto em inúmeras obras de ficção científica mais ou menos distópica, a produção de riqueza já descolou da força de trabalho humano. Com as novas tecnologias, a sociedade assente no trabalho atinge o seu limite histórico. Todavia, mudou a realidade, mas permanecemos, à esquerda e à direita do espectro político, manietados pelo dogma do trabalho e do homem reduzido a animal laborans ou objecto mercantil. O trabalho foi-se esvaziando de conteúdo e o orgulho do trabalhador posto de lado, restando a simples obrigação, princípio abstracto que se impõe de forma coerciva sobre toda uma sociedade. Estes são os tempos do trabalho pelo trabalho e do homem degradado ao estatuto de escravo dócil, a um instante de ser substituído pela máquina. Todo aquele que não consegue vender a sua força de trabalho e encontrar o seu lugar na engrenagem cai fora do contrato social e torna-se dispensável, lixo social.
Até meados dos anos sessenta do século passado, podemos dizer que o trabalho libertava da fome, do frio e, em alguns casos, de uma condição social desfavorável. Hoje o trabalho já não liberta do que quer que seja e nunca mais chegará para todos. Tal como previsto em inúmeras obras de ficção científica mais ou menos distópica, a produção de riqueza já descolou da força de trabalho humano. Com as novas tecnologias, a sociedade assente no trabalho atinge o seu limite histórico. Todavia, mudou a realidade, mas permanecemos, à esquerda e à direita do espectro político, manietados pelo dogma do trabalho e do homem reduzido a animal laborans ou objecto mercantil. O trabalho foi-se esvaziando de conteúdo e o orgulho do trabalhador posto de lado, restando a simples obrigação, princípio abstracto que se impõe de forma coerciva sobre toda uma sociedade. Estes são os tempos do trabalho pelo trabalho e do homem degradado ao estatuto de escravo dócil, a um instante de ser substituído pela máquina. Todo aquele que não consegue vender a sua força de trabalho e encontrar o seu lugar na engrenagem cai fora do contrato social e torna-se dispensável, lixo social.
O trabalho já não
liberta do que quer que seja, deixou de ser o meio que nos permite usufruir de
nós ou do tempo para nós com autonomia. Com o advento da indústria, o trabalho
assumiu uma importância desproporcionada sobre tudo o resto, converteu-se na
essência negativa do homem e estabeleceu um novo apartheid social, a tal ponto que é melhor ter um trabalho qualquer
do que nenhum, por mais sujo, escravizante ou absurdo. Entretanto, vão os
governos, em modo decorativo, simulando um trabalho em vias de extinção,
anunciando programas de formação e ocupação supérfluos e redundantes ou chegando
ao ponto de cortar no subsídio de desemprego e no apoio social como incentivo
para o regresso a um trabalho que já não existe. Perpetua-se o mantra que nos
incorporaram como se da nossa natureza se tratasse, repetido à exaustão, é
melhor ter um trabalho qualquer, é melhor ter um trabalho qualquer, com
qualquer salário, em qualquer lugar, sem qualquer prazer, sem qualquer
utilidade, a qualquer custo. Passando por cima de todos num sistema
auto-repressivo que divide, nos divide, de um lado os que ainda têm trabalho e
do outro os parasitas.“A civilização não
tem lugar para os ociosos”, concretiza-se a profecia fordiana e assume-se uma sociedade de açaimados pelo trabalho ou pela
caridade.
Estará a única saída
na libertação social da dependência do trabalho e na alteração do modo como se concebem
as sociedades, deixando de tomar de forma exclusiva o trabalho como princípio
organizador da vida individual e colectiva, deixando de impor ao sujeito a
responsabilidade de procurar algo que já não existe, descartando a lógica de
qualquer trabalho a qualquer custo e substituindo-o por um “rendimento mínimo de prosperidade e
dignidade”. Não se trata de acabar com o trabalho, apenas de aceitar que
não mais existirá para todos, permitindo àqueles que o desejam e mereçam ser
por ele recompensados, mas providenciando a todos os demais a possibilidade de viver
livres da obsessão pelo trabalho, banindo de vez o termo “desemprego” e tudo o
que de negativo lhe vem acoplado.
Ideia disparatada ou
ingénua, dirão quase de imediato os interessados em perpetuar um sistema que
arrasta milhões num estado de semi-vida que corrói toda uma convivência democrática
que levou demasiado tempo a construir. Os mesmos que até aqui nos trouxeram e que
persistem agora na receita do inevitável, tão útil como uma aspirina para um
tiro na cabeça.
Não é uma ideia
original, que cada vez as há menos, mas vai alastrando, exigindo uma
reformulação total da segurança social e da forma de pensar, uma mudança para
um paradigma que assente na reflexão e no sentido crítico, algo cada vez mais remoto,
quando, a cada dia, nos é imposta uma definitiva visão do mundo na qual somos
escravos do trabalho ou estamos desempregados. Só assim será possível inventar
um mundo para além da ditadura do trabalho e do dinheiro, um mundo sem a
castradora separação entre o sujeito-económico e o sujeito-cidadão, causa
principal do conformismo político. Porque uma democracia forte deve firmar-se
sobre a preocupação que pressupõe ver o outro como ser humano e não como
objecto (Martha Nussbaum), investindo num modelo social que promova a formação
integral do ser humano. Sem deixar ninguém de fora. Sem deixar ninguém para
trás.
Ou aceitamos o
retrocesso a uma qualquer forma de vida semelhante à feudal, ou arriscamos algo
novo, na tentativa de restaurar a dignidade do homem e uma vida com sentido.
Miguel
Cardoso
2 comentários:
Grande texto. Parabéns. Na comunicação social, que eu saiba, apenas foi publicado recentemente um artigo do Expresso sobre o tema do fim do trabalho para todos na sociedade actual. Provavelmente já conheces, mas aqui fica o link: http://img716.imageshack.us/img716/1723/ofimdasociedadedetrabal.jpg
Obrigado. Não, não conhecia o texto (está muito bom, eu não acrescento nada, antes pelo contrário), o Expresso não é um dos "meus" jornais, mas tem havido mais referências por aí, ainda há dias a Raquel Varela aborda (ao de leve) a questão aqui:
http://www.ionline.pt/portugal/raquel-varela-dos-grandes-objectivos-da-troika-aproximarmo-nos-da-china
Há vários sociólogos, economistas e filósofos que vão alertando para isso e, de uma forma mais radical, o Grupo Krisis. Na ficção científica li há pouco GLOBÁLIA de Jean-Christophe Rufin que também trata o tema.
Não é uma uma ideia original, como disse, e não há uma solução fácil. A diminuição do horário de trabalho será algo difícil de aplicar ao sector privado, pelo menos se não vier acompanhada por uma redução drástica de salários, o que nos deixaria perante o mesmo problema. É precisa toda uma outra forma de pensar a sociedade, o problema está em saber como lhe dar forma.
Enviar um comentário