Um outro olhar sobre o mundo

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quinta-feira, 26 de abril de 2012

BRAM STOKER (8 de Novembro de 1847 - 20 de Abril de 1912


Bram Stoker. Até à última gota de um filão literário
A Roménia do século XV não sorria a esposas infiéis, damas promíscuas, deslizes de súbditos ou a qualquer outro tipo de inimigo particular de Vlad, o Empalador, título granjeado com a sua predilecção para punir adversários de uma forma particularmente medonha. Dispensaremos detalhes das execuções para o caso de ainda não ter almoçado e pretender fazê-lo em breve – os requintes de malvadez incluem o arrancar de peles a vivos e outras modalidades de sofrimento prolongado em público. Os métodos pouco amistosos valeram-lhe outro cognome, herdado do pai, Draculea, ou “filho do dragão”, uma bandeira da sociedade cristã romana criada por nobres da região para defender o território da invasão dos turcos otomanos.
Dentes cravados no pescoço seriam o menor dos males para as vítimas deste príncipe de carne e osso, que espalhou o terror pela Transilvânia e inspirou Bram Stoker na criação do seu “Dracula”, uma ficção de terror com laivos góticos e caninos afiados, saída de uma pesquisa do irlandês pelo folclore europeu.
A obra, publicada pela primeira vez em 1897, esteve longe de ser sucesso instantâneo entre a sociedade de final do século XIX, apesar de as críticas lhe renderem a devida vénia. Stoker evidenciava-se ao ponto de fazer sombra a Mary Shelley e Edgar Allan Poe mas estaria longe de acreditar que o imaginário mitológico do vampiro ganharia o estatuto de lenda no século seguinte e mais além. Que as histórias de gelar o sangue se perpetuariam em romances posteriores, palcos de teatro e sagas no cinema, seja em versão paródia, em encontro tântrico entre adolescentes, ao melhor estilo “Crepúsculo”, ou impregnado de propriedades regeneradoras e de uma carga sexual superior à repulsa do conde macabro por alho, em jeito “True Blood”.
Por mais que se mudem os tempos e as adaptações, prevalece quase sempre um denominador comum na sua biografia. Saído da Idade Média, Drácula foi um conde da Transilvânia que se tornou um vampiro e feiticeiro e assolou a Inglaterra séculos depois. Stoker distinguiu-se ao sugar as superstições e o combate aos demónios legado por civilizações ancestrais, as histerias colectivas, os pavores do patriarcado vitoriano, catalisando as ansiedades de uma era, inspirado pelo sucesso da obra de 1819 de John Polidori, “The Vampyre”, que fixou o arquétipo da figura carismática.
O vampiro mais famoso da literatura é, segundo o Livro do Guiness, o monstro fictício com maior número de aparições. No cinema, estreou-se em “Nosferatu”, ainda que o expressionismo mudo de F. W. Murnau não tenha contado com a permissão dos herdeiros do escritor para a realização da obra, em 1922. Processado por violação de direitos de autor, as cópias do filme que sobreviveram à destruição imposta pela justiça permaneceram guardadas até a morte da viúva de Bram Stoker. “Nosferatu” viria a contar com uma versão actualizada de Werner Herzog, em 1979.
A primeira adaptação autorizada remonta a 1931, com Béla Lugosi dirigido por Tod Browning, no papel do nobre anfitrião de um castelo nos Montes Cárpatos que se revela um vampiro sedento de sangue humano que só pode sair à noite, sob a forma de morcego, lobo, ou envolto numa espessa névoa. Há ramificações da história para todos os gostos. Em 1943, Lon Chaney Jr. é “O Filho do Drácula”. Terence Fisher destaca “As mulheres do Drácula” em 1960.
Em 1992, Francis Ford Coppola filma “Drácula de Bram Stoker”, com Gary Oldman, Winona Rider, Keanu Reeves e Anthony Hopkins. Já em 2004, “Van Helsing” apresenta Hugh Jackman como caçador de monstros, entre eles o omnipresente Drácula.
A vida de Abraham “Bram” Stoker foi menos empolgante que a de qualquer soberano da Europa oriental, com mais ou menos tendências bizarras, exceptuando o facto de ter conquistado uma ex-pretendente de Oscar Wilde. Nasceu a 8 de Novembro de 1847, em Dublin, onde frequentou o Trinity College. Mais tarde formar-se-ia em matemática pura. Em 1866 é contratado para trabalhar no castelo de Dublin e escreve o manual “Deveres dos Amanuenses e Escrivães nas Audiências para Julgamento de Pequenas Causas e Delitos na Irlanda”. Em 1878 casa-se com Florence Balcombe e aceita a oferta de um amigo, o actor Henry Irving, para administrar o Royal Lyceum Theatre de Londres. Noel, o único filho do casal, nasce um ano depois, quando Stoker publica o seu primeiro livro, “The Duties of Clerks of Petty Sessions in Ireland”, seguindo-se a colectânea de contos “Under the Sunset”. Stoker foi crítico de teatro num jornal irlandês e engrossou a equipa literária do londrino “Daily Telegraph”.
“Drácula”, a base da ficção moderna sobre vampiros, terá começado a ser escrito em 1890, apesar de à data o romance, que lançaria sete anos mais tarde, ainda não ter título. Livros como “O Castelo da Serpente” (1981) ou os posteriores “O Caixão da Mulher-Vampiro” (1909) e “A Toca do Verme Branco” (1911), o seu derradeiro romance, denotam a inclinação para o fantástico. Stoker, que sofreu um derrame cerebral em 1905, ano da morte do amigo Irving, termina os seus dias em Londres, a 20 de Abril de 1912.

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