VIDA,  VIDA!
Arseni Tarkovski  (1907-1989)
Não acredito em  premonições, não temo superstições,
veneno e calúnia não vigoram sobre  mim. 
Não existe morte, senão plenitude no mundo. 
Somos todos  imortais; tudo é imortal.
Não é preciso temer a morte,
Seja aos dezessete ou aos  setenta.
Nada  há além de presente e de luz;
escuridão e morte não existem neste  mundo.
Chegados que somos todos à margem, sou um dos  escolhidos
para puxar as redes quando o cardume da imortalidade as  cumular.
Habitai a casa, e a casa  se sustentará.
Invocarei um dos séculos ao acaso:  eu o adentrarei
e nele construirei minha  morada. 
Sento-me portanto à mesma mesa
que vossos filhos, mães e  esposas.
Uma só mesa para servir bisavô e neto:
o futuro se  consuma aqui agora, 
e quando eu erguer a minha mão,
os cinco  raios de luz convosco ficarão.
Omoplatas minhas como vigas  mestras,
sustentaram por minha vontade a revolução dos dias. 
Medi  o tempo com vara de agrimensor:
eu o venci como se voasse sobre os  Urais.
Talhei as idades à minha  medida.
Rumamos para o sul, um rastro de poeira pela estepe. 
As  altas ervas agitavam-se entre vapores 
e o grilo dançarino,
ao  perceber com suas antenas as ferraduras faiscantes,
profetizou-me, como  monge possuído, a aniquilação.
Atei então, rápido, meu destino à  sela,
ergui-me sobre os estribos como um menino
e agora cavalgo os  tempos vindouros a meu ritmo.
Basta-me minha  imortalidade,
o fluir de meu sangue de uma para outra era,
mas em  troca de um canto quente e seguro
daria de bom grado minha  vida,
conquanto sua agulha voadora
não me arrastasse, feito linha,  mundo afora.
(Poema de 1950, lido  pelo autor no filme O Espelho (1974), dirigido por seu filho, Andrei  Tarkovski)
 
 
 
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