Um outro olhar sobre o mundo

Um outro olhar sobre o mundo

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

VIDA, VIDA! - Arseni Tarkovski

VIDA, VIDA!
Arseni Tarkovski (1907-1989)



Não acredito em premonições, não temo superstições,

veneno e calúnia não vigoram sobre mim.

Não existe morte, senão plenitude no mundo.

Somos todos imortais; tudo é imortal.

Não é preciso temer a morte,

Seja aos dezessete ou aos setenta.

Nada há além de presente e de luz;

escuridão e morte não existem neste mundo.

Chegados que somos todos à margem, sou um dos escolhidos

para puxar as redes quando o cardume da imortalidade as cumular.


Habitai a casa, e a casa se sustentará.

Invocarei um dos séculos ao acaso: eu o adentrarei

e nele construirei minha morada.

Sento-me portanto à mesma mesa

que vossos filhos, mães e esposas.

Uma só mesa para servir bisavô e neto:

o futuro se consuma aqui agora,

e quando eu erguer a minha mão,

os cinco raios de luz convosco ficarão.

Omoplatas minhas como vigas mestras,

sustentaram por minha vontade a revolução dos dias.

Medi o tempo com vara de agrimensor:

eu o venci como se voasse sobre os Urais.


Talhei as idades à minha medida.

Rumamos para o sul, um rastro de poeira pela estepe.

As altas ervas agitavam-se entre vapores

e o grilo dançarino,

ao perceber com suas antenas as ferraduras faiscantes,

profetizou-me, como monge possuído, a aniquilação.

Atei então, rápido, meu destino à sela,

ergui-me sobre os estribos como um menino

e agora cavalgo os tempos vindouros a meu ritmo.


Basta-me minha imortalidade,

o fluir de meu sangue de uma para outra era,

mas em troca de um canto quente e seguro

daria de bom grado minha vida,

conquanto sua agulha voadora

não me arrastasse, feito linha, mundo afora.


(Poema de 1950, lido pelo autor no filme O Espelho (1974), dirigido por seu filho, Andrei Tarkovski)

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