Um outro olhar sobre o mundo

Um outro olhar sobre o mundo

quarta-feira, 27 de junho de 2012

DA FALTA DE HUMANIDADES À MISÉRIA DOS POLÍTICOS


Hoje em dia não é em teatros, cinemas ou ecrãs de televisão
 que vamos encontrar boas comédias, mas sim na arena política e económica.
                                                                                                                                                  Antonio Escohotado

O político medíocre, como todo o homem medíocre, é fruto da falta de formação. Faltam Humanidades no nosso sistema de ensino. A cada reforma curricular, disciplinas como História, Filosofia, Psicologia ou Sociologia perdem terreno e exigência no currículo dos alunos.
O paradigma dominante é tecnológico e económico. Não há discurso político contemporâneo que não vá por aí. Di-lo o Presidente da República e também o Primeiro-Ministro do país hipotecado, os Presidentes da Câmara e da Junta, que fincam pé para que todos os gaiatos tenham pc e naveguem pela net, mesmo sem nunca terem visto o mar. E os velhos, que não podem morrer sem mandar um email, não vá a entrada no céu ou mais abaixo precisar de conta aberta no Google. O futuro é tecnológico, digital, interactivo, pronto a servir e a ser vivido. Ainda não entendemos o jargão, mas já não estranhamos. A tecnologia acoplada a tudo o que mexa. O economês como língua oficial. O deserto em volta.
Vale a quantidade e pouco a qualidade. Vão os alunos passando de ano, ou transitando, ou lá o que é, felizes, até ao dia em que batem no real. Já não se reprova, termo banido da novilíngua educativa, como ensino ouaprender, substituídos por conceitos vazios como competênciasaprender a aprender ou empreendedorismo. Nivelamos por baixo e são os fracos que se lixam, com a promoção de uma mediocridade generalizada em que o esforço deixa de valer a pena e a preguiça e a responsabilidade são insistentemente perdoadas por factores externos. Dificultamos a formação dos alunos culturalmente mais carenciados e acentuamos o fosso que os separa dos que possuem um enquadramento económico e familiar que compensa as lacunas escolares. Também para estes a escola se torna obsoleta, cansados de um ensino que os trata como atrasados mentais. Não tardará e o professor será um anacronismo num admirável mundo novo onde cada aluno da geração “tipo” ou “tásse” poderá escolher o seu currículo e avaliar-se a si mesmo. Tudo feito online, entre muitos ☺, LOL e artigos da Wikipédia. O nivelamento pelos medíocres não elimina as classes sociais, perpetua-as. A escola pública transforma-se num monstro inútil onde continuam a safar-se os mesmos. Vale a estatística. Mesmo que a maioria dos alunos não consiga sequer interpretá-la.
As Humanidades dão trabalho, mais se em casa falta o incentivo e a exigência, se a ausência de hábitos de leitura e discussão são o prato de cada dia e o pergunta ao professor que é para isso que lhe pagam está sempre na ponta da língua. Sem resultados imediatos, são desprezadas. Incomodam.
Num mundo em acelerada mudança, é demasiado fácil perder a imagem do todo. O papel das Humanidades é servir-nos de âncora. Precisamos reaprender a pensar, a demorar o pensamento, resgatando-o da manada e centrando-o no essencial.
Da falta de um pensamento crítico nasce o político miserável, ser amputado de espírito, fechado numa perspectiva que se habituou a tomar pela verdade e longe da vida que está para além dela. O futuro não decorre de um conjunto de regras imutáveis estabelecidas por um conjunto de bem pagos especialistas. As regras do jogo estão sempre a mudar, prever hoje o que vale para amanhã é mais fruto do acaso ou de estupidez astrológica do que ciência. Comparem-se todas as previsões económicas feitas a médio e longo prazo. É o aleatório que domina, nas bolsas, nas agências de rating ou nos mercados financeiros: “A verdadeira tarefa da economia consiste em mostrar ao homem o pouco que ele sabe acerca daquilo que pensa poder planear” (Hayek). A perspectiva em que se situa o observador condicionará sempre a previsão, numa espécie de efeito de realimentação, que apenas espelha o desejo de quem a profere. Limitamo-nos a seguir a música da moda, composta de medo e mecanismos irracionais de toda a espécie, dando corpo a uma crise que começou por ser imaterial, aumentada a cada referência ou auto-referência. Como um discurso viral que contamina todas as instâncias de poder, repletas de arremedos de gente que ofusca a falta de conteúdo do discurso com um palavreado estéril. Wittgenstein diz que a linguagem mascara o pensamento, aqui disfarça o vazio. Aprendizes de pensamento único de escola partidária, gente de frases feitas reproduzidas à exaustão, sem a coerência ou a memória que implique a vergonha que vai do que disseram ontem ao que fazem hoje. Gente esponjosa e bafienta que conspurca tudo o que toca. Todos iguais, em circuito fechado, ninguém daria pela troca do nome do boneco. Esta gente com os seus programas de infelicidade. Bufões. Depois deles não virá o caos.
A saída está na mudança de paradigma. De dentro já não conseguimos ver. É necessário mudar a própria forma de pensar, abandonar a formatação, redefinir prioridades. Não será tanto a Democracia que está em causa, mas a forma de a pensar. Daí não virá o abismo, como dão a entender os aspirantes a profetas e vigilantes interessados em perpetuar um status quo conveniente. De repente, convencionou-se como inevitável a necessidade de reduzir a zero conquistas de séculos e de vidas. HÁ, deve haver, direitos adquiridos. Recusá-los é um retrocesso civilizacional. Mas aceitamos os arautos da desgraça sem questionar. É preciso colocarmo-nos de fora e alterar a nossa perspectiva sobre o mundo. As profecias cumprem-se a partir do momento em que nelas acreditamos cegamente. Talvez cessem a partir do momento em que deixemos de o fazer. Não são tanto as circunstâncias que fazem a nossa vida, mas antes o que fazemos a partir delas.
O pensamento crítico está ausente da política, porque foi expulso das escolas e das universidades. A escola deve assumir-se como instituição crítica para que o Estado deixe de ser manipulador (Ivan Illich) e castrador. Abandonando aquela que foi a sua base e razão de ser durante séculos, as Artes e Humanidades, os sistemas educativos actuais visam apenas a formação de “gerações de máquinas eficazes” (M. Nussbaum) obcecadas com o lucro, tudo subordinando ao desenvolvimento das forças produtivas (Castoriadis). Com os políticos habituámo-nos a colocar sempre o contador a zero a cada ritual eleitoral. É importante que percebamos que é possível mudar e que chegou o tempo de ripostar e depor esta política e os seus cães-de-guarda. Para que de cada estudante brote um cidadão. Para que nasça um novo homem político que se importe.
As Humanidades ajudam na adopção de uma perspectiva não contaminada que contribua para arrancar as pessoas à complacência, recuperando-as para o que importa. O futuro não é inevitável. Não está escrito. Não existe. A crise, qualquer uma, mesmo as que nos impõem com base em especulações feitas para não serem inteligíveis, é sempre um momento catártico, de conflito e decisão. Uma boa altura para levantar a voz, limpar a casa e fazer o que é correcto. Recuperar a Ética. E só isto. Ou então já estamos mortos.

segunda-feira, 18 de junho de 2012

OS LIVROS ÀS COSTAS


«Estamos a mudar de casa, a dormir na casa antiga e a transformar a casa nova, que era tão bonita, quando estava vazia, numa instalação anos 70 de pilhas de livros.


Saem caros e dão trabalho os livros que mudam de casa muitas vezes. Sofrem com as mudanças mas eu sibilo, entredentes, que é bem feito. É um pesadelo no verdadeiro sentido da palavra: é como aqueles sonhos em que se tenta fazer sempre a mesma coisa, sempre sem conseguir.

As pessoas que não percebem nada de livros e aquelas que "adoram" livros e acham que têm "imensos" porque têm umas centenas e "não têm onde arrumá-los"; que "amam" o cheiro dos livros e "não resistem" quando entram numa livraria; que eram "incapazes" de ter um Kindle porque "não prescindem" do peso e da "sensualidade, quase", de ter um livro impresso nas mãos, que folheiam como quem dedilha uma harpa ou uma peça de genitália; essas pessoas não se cansam de nos confortar, dizendo-nos que, quando os livros estiverem todos arrumadinhos (que nunca ficam), vamos sentir-nos em casa, contentes que cada livro está outra vez no lugar que era o dele.

É mentira. Os livros são uma praga. Quem tem o vício deles não se contenta com lê-los e tê-los. Precisa sempre de livros novos. E não prescinde dos velhos - mesmo daqueles de que não gostou muito e que tem a certeza de que jamais irá reler.

Que são a grande maioria. Aquela que se transporta. Aquela que mortifica. Aquela que revela a nossa futilidade. E despesa.»

(Miguel Esteves Cardoso, Público - 17/06/12)

quarta-feira, 6 de junho de 2012

Ray Bradbury - Mestre da ficção científica (1920-2012)


O mestre da ficção científica, o escritor norte-americano Ray Bradbury, autor de Fahrenheit 451 (1953), adaptado ao cinema pelo francês François Truffaut, e de Crónicas Marcianas (1950) morreu terça-feira, aos 91 anos, em Los Angeles.


“Mr. Bradbury morreu serenamente, a noite passada, em Los Angeles, depois de uma longa doença”, disse à Reuters um porta-voz da editora norte-americana HarperCollins. O seu neto Danny Karapetian e o biógrafo, Sam Weller, confirmaram a notícia ao blogue dedicado à ficção científica io9. “O mundo perdeu um dos seus maiores escritores e uma das pessoas que me eram mais queridas”, twittou Karapetian. “[Foi] a maior criança que conheci”, disse ainda ao blogue especializado.

Nascido em Agosto de 1920 no estado do Illinois, Ray Bradbury, um dos fundadores da literatura fantástica contemporânea, deixou-se fascinar pelos livros aos sete anos, com Edgar Allan Poe, e aos 17 estreava-se nas páginas de uma revista de ficção científica, com a primeira novela das quase 500 que assinou, “Script”.

Aos 14, quando os pais se mudaram para Los Angeles, transformara-se num rato de biblioteca e dizia muitas vezes que era um escritor autodidacta, que aprendera simplesmente a ler os grandes autores: “Ensinaram-me Shakespeare e Júlio Verne. Foi Edgar Allan Poe que me disse para escrever. […] Os grandes nomes foram a minha influência e com eles nunca precisei de mais conselhos”, contou numa entrevista agora citada pelo diário espanholEl País

Tendo começado pelas novelas de terror, foi com Crónicas Marcianas e Fahrenheit 451 que atingiu o sucesso. A primeira é uma obra sobre os riscos da desumanização perante o avanço científico, a segunda, feita numa máquina de escrever que precisava de uma moeda para funcionar, na biblioteca da Universidade da Califórnia, evoca os perigos do totalitarismo através da criação de uma era de guerra em ignorância, em que os bombeiros se ocupavam da queima de livros e não da extinção de incêndios, explicava ontem o diário britânico The Guardian

Autor prolífico – para além de centenas de novelas escreveu mais de 30 romances, contos e poemas, além de guiões para cinema e televisão –, Ray Bradbury fazia dos seus livros em que criava mundos fantásticos espaços de crítica aos excessos da sociedade contemporânea. Em 2010, por exemplo, chegou mesmo a defender numa entrevista ao jornalLos Angeles Times que os Estados Unidos precisavam de uma “revolução” para travar o poder desmesurado do Governo. “Na vida, como na escrita, devemos agir com paixão: [assim] as pessoas vêem que somos honestos e perdoam-nos muita coisa”, disse Bradbury noutra conversa citada esta quarta-feira pela AFP. 

Um dos autores mais lidos da sua geração, Ray Bradbury manteve até ao fim o mesmo entusiasmo, dizem familiares e amigos. “A coisa mais divertida da minha vida é levantar-me cada manhã e correr para a máquina de escrever porque tenho uma ideia nova”, confessou em 2000 este homem da ficção científica que sempre se recusou a publicar seus livros em formato electrónico e dizia com frequência que as pessoas tinham gadgets a mais. 

Fica o link para Fahrenheit 451 (legendado), talvez a mais famosa adaptação ao cinema de uma das suas obras, dirigida por François Truffaut em 1966


domingo, 3 de junho de 2012


Título original:
Die Welle / The Wave

Realização:Dennis Gansel
Intérpretes: Jürgen Vogel, Frederick Lau, Max Riemelt
Género: Drama

Sinopse:
Um professor do ensino secundário propõe aos seus alunos uma experiência que tem como objectivo perceberem como funciona um regime totalitário. Os alunos iniciam então o projecto que terá consequências trágicas. Ao fim de alguns dias, noções inicialmente inofensivas tornam-se um verdadeiro movimento: a Onda. E ao terceiro dia, os alunos começam a excluir e perseguir aqueles que não se unem à causa. Quando o conflito explode e a violência vem ao de cima, o professor resolve terminar o projecto. Mas é demasiado tarde, a Onda já é incontrolável. (Cinecartaz)





Crítica:

"Com tanta oferta cinematográfica de maior ou menor qualidade, existem sempre aqueles pequenos objectos de culto que fazem a diferença. "Die Welle" é desses objectos e se tivesse direito a uma maior projecção seria um daqueles filmes que faria concorrência a muitos blockbusters. O filme é baseado em factos reais, numa experiência chamada "The Third Wave" onde o professor Ron Jones questionou os seus alunos da génese de um movimento como o nazismo. No filme a discussão é a mesma sendo que a questão que se coloca : Será possível viver uma nova ditadura na Alemanha? Inserida num projecto de uma semana, o professor incute-lhes alguns princípios adoptados pelo regime como a importância de unicidade num grupo, a utilização de uniformes, uma postura correcta e ordenada. O certo é que os alunos começam a adoptar essa postura e começam a aceitar e interiorizar esses mesmos conceitos e como uma mancha o projecto começa a ganhar novos adeptos chegando a proporções que levam a um clímax dramático. Tecnicamente o filme não é nenhuma obra prima, as actuações do elenco jovem estão seguras e não desiludem. Podíamos estar perante um objecto menor do calibre de "Morangos com Açúcar" mas não é o caso, se bem que inevitavelmente existem alguns clichés próprios de este género de filmes (o caso mais recente Twilight), "A Onda" preocupa-se mais em transmitir a sua mensagem e fá-lo de forma natural sem nunca o tornar forçado.
A única crítica de maior que reitero é relativamente ao final. Sem querer dar qualquer tipo de "spoilers" e sem conhecer a veracidade dos factos é inegável que se obtém a resposta à questão principal do filme, porém a mensagem que esse final transmite pode levar a outras interpretações algo falaciosas e erráticas, isto porque a percepção com que se fica é que o filme atinge o seu clímax dramático final por força de argumento, sendo que a verdade ficcional impera sobre a realidade num opus de dramatismo e de tragédia algo exagerado, mas eficaz em termos de impacto em públicos mais susceptíveis. Numa sociedade cada vez mais ambivalente em termos de valores culturais, isentos de qualquer tipo de ordenação e cada vez mais descaracterizadas, basta uma pessoa com carisma suficiente a oferecer um sentido de ordem, unidade e identidade a um grupo, que facilmente moverá massas. Crítico sem nunca cair no burlesco " A Onda" é um pequeno grande filme a ser descoberto antes que se desvaneça no oceano de oferta cinematográfica que aí vem!" (Portal Cinema)

Como escrever um ensaio filosófico