Um outro olhar sobre o mundo

Um outro olhar sobre o mundo

domingo, 26 de fevereiro de 2012

TERTÚLIA Ouvir e Falar - Fundão - Março


Pode ser só o desejo de tocar um outro tempo e respirar do berço desta civilização que é a minha. Ganhar alento na Antiga Grécia. Tomar balanço e percorrer a Ágora. Trazer o pensamento para a rua. Demorar-me nele. Sem medos, donos, arreios ou dogmas. Sem uma agenda explícita ou escondida. Sem inimigos declarados ou amigos a proteger. Sem tomadas de posição colectivas ou histerismos de momento. Só pensamento livre e crítico. Reflexão e opinião. Usar a razão e exercer a cidadania. O que me faz humano. Libertar a palavra e dar-lhe forma. Voltar por instantes à Antiga Grécia, trazê-la para Portugal, para junto de minha casa, aqui e agora, onde tudo começa e acaba. Onde eu sou. Sair do conforto do café e da televisão, da protecção do virtual, dar a cara por uma ideia e arriscar levar com outra bem no meio das trombas, dar o braço a torcer ou nem por isso, descobrir outra forma de ver o mundo. Inconformar-me com o fato que me vestem. Não comer e não calar. Direito, mas também dever. Ousar pensar para conseguir fazer. SER MAIOR. Esclarecido. Para tornar a vida digna. Para contar aos filhos. Não é preciso saber exactamente para onde vou. Apenas mudar o ponto de vista, o meu, e é todo o mundo que muda. Ou então permanecer como observador passivo, que é uma outra forma de já estar morto.
É disto que se trata, no Fundão, no final de Março, ser mais, ser melhor, basta aparecer. 


segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Mas que raio fizeram os gregos por nós?


Cena 9 - Interior - dia
            (Reunião ordinária do Governo alemão, gabinete pequeno para poupar em luz e aquecimento, 17:45h, sem pausa para lanche, cada ministro trouxe a sua sandes de casa.)

CHANCELER MERKEL (irritada): Os malditos gregos tiram-nos o dinheiro todo, os bastardos. Trabalham pouco e levam-nos o dinheiro que tanto nos custou a ganhar, a nós, aos nossos pais e aos pais dos nossos pais…
 WOLFGANG SCHÄUBLE: E aos pais dos pais dos nossos pais.
 CHANCELER MERKEL: Sim.
 WOLFGANG SCHÄUBLE: E aos pais dos pais dos pais dos nossos pais.
 CHANCELER MERKEL: Sim, Wolfgang, não aprofundemos mais a questão. Mas o que é que eles nos deram até hoje?
 PHILIP RÖSLER: o Teatro?
 CHANCELER MERKEL: O quê?
 PHILIP RÖSLER: o Teatro… Ésquilo, Sófocles, Aristófanes…
 CHANCELER MERKEL: Oh! Sim, pois. Eles deram-nos isso, é verdade.
 HANS – PETER FRIEDRICH: E a Filosofia, com Sócrates, Platão e os outros todos…
 URSULA VON DER LEYEN: Sim, a Filosofia, lembras-te como pensávamos antes da Filosofia?
 CHANCELER MERKEL (condescendente): Sim, pronto, o Teatro e a Filosofia foram duas coisas que os gregos nos deram.
 ILSE AIGNER: E a Oratória.
 CHANCELER MERKEL: Bem, sim, obviamente a oratória, quer dizer, nem era preciso dizer, certo? Mas, para além do Teatro, a Filosofia e a Oratória…
 ANNETE SCHAVAN: A Ciência, com Arquimedes, Aristóteles…
 DANIEL BAHR: A Medicina, lembras-te de Hipócrates?
 MINISTROS EM CORO: Pois, pois, isso…
 ANNETE SCHAVAN: Heródoto e a História
 MINISTROS EM CORO: Oh, sim…
 CHANCELER MERKEL (a ficar impaciente)Sim, pronto, ok, é justo.
 THOMAS DE MAIZINE: E estratégia militar.
 KRISTINE SCHRÖDER: Introduziram as vogais no alfabeto.
 MINISTROS EM CORO: Oh, sim, isso foi importante.
 DIRK NIEBEL: Sim, isso seria algo de que sentiríamos realmente falta!
 NORBERT RÖTGEN: Os Jogos Olímpicos.
 PETER RAMSAUER: Pitágoras.
 RONALD POFALLA: Arte.
 SABINE LEUTHEUSSER-SCHNARRENBERGER: Organização social.
 THOMAS DE MAIZENE: Ajudaram-nos depois daquela chatice da segunda guerra.
 CHANCELER MERKEL (fora de si): Sim, pronto, ok, mas para além do Teatro, a Filosofia, a Oratória, a Ciência, a Medicina, a História, a estratégia militar, as vogais, os Jogos Olímpicos, a Matemática, a Arte, a organização social e aquilo da guerra, O QUE É QUE OS GREGOS NOS DERAM?
 ILSE AIGNER: A Democracia.
CHANCELER MERKEL: A Democracia? Cala-te lá com essa merda!

 (Descaradamente adaptado dos senhores Chapman, Gilliam, Cleese, Idle, Palin e Jones)
 (imagem daqui)
 Publicado também aqui

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

A Invenção de Hugo de Martin Scorsese

O filme de Scorsese é uma adaptação de um livro de Brian Selznick que conta a história de Hugo, um órfão, guardião dos relógios e ladrão, que vive por entre as paredes de uma movimentada estação de comboios parisiense, onde a sua sobrevivência depende de segredos e do anonimato. Quando o seu pequeno mundo se encaixa - tal como as rodas dentadas dos relógios que vigia - com o de uma excêntrica rapariga amante de livros e o de um velho amargo, dono de uma loja de brinquedos, a vida secreta de Hugo e o seu segredo mais precioso são colocados em risco. Um desenho misterioso, um bloco que vale ouro, uma chave roubada, um homem mecânico e uma mensagem escondida do falecido pai de Hugo formam a espinha dorsal deste intrincado, terno e arrebatador mistério.

Este é um livro que faz parte do Plano Nacional de Leitura






segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Inconformismo

Por Ferreira Fernandes

UMA FOTO de 1936 marcou a semana. Um operário de um estaleiro de Hamburgo, no meio de uma multidão que fazia saudação nazi, é o único de braços cruzados. August Landmesser, de 26 anos, tinha boas razões para não ser nazi, era casado com uma judia alemã, mas também tinha prudentes razões para não chamar a atenção com gesto tão rebelde. E, no entanto, fê-lo. Por causa dos braços cruzados num mar contrário, Landmesser foi preso, metido durante a II Guerra Mundial num batalhão penal e desapareceu na frente russa. Quando, agora, um blogue recuperou a foto, a admiração que temos pelos gestos solitários, corajosos e calmos tornou a imagem viral e passeou-a pelo mundo fora. Por cá, também, mas com uma lacuna jornalística (julgo).
As notícias longínquas têm interesse em ser acompanhadas por similares notícias locais, se as houver, para melhor as explicarmos. Por esquecimento, ignorância ou tão-só esse vício dos jornais que dá por sabido o que já foi publicado ("já demos..."), não vi, esta semana, a foto dos irmãos portugueses de August Landmesser. Em 30 de janeiro de 1938, no Portugal-Espanha, no estádio das Salésias, a seleção portuguesa perfilou-se ao hino nacional e estendeu o braço em saudação fascista, como era norma. Mas três jogadores - Artur Quaresma, José Simões e Mariano Amaro, todos do Belenenses - não fizeram o gesto fascista. Há foto.
Resultado final do jogo: lembro-me do nome dos três, dos outros oito não.
(«DN» de 12 Fev 12 e sorumbatico.blogspot.com)

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Matriz 3º Teste Filosofia

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Fernando Assis Pacheco (01/02/1937 a 30/11/95)



O Poeta no Supermercado

I
Indignar-me é o meu signo diário.
Abrir janelas. Caminhar sobre espadas.
Parar a meio de uma página,
erguer-me da cadeira, indignar-me
é o meu signo diário.

Há países em que se espera
que o homem deixe crescer as patas
da frente, e coma erva, e leve
uma canga minhota como os bois.
E há os poetas que perdoam. Desliza
o mundo, sempre estão bem com ele.
Ou não se apercebem: tanta coisa
para olhar em tão pouco tempo,
a vida tão fugaz, e tanta morte...
Mas a comida esbarra contra os dentes,
digo-vos que um dia acabareis tremendo,
teimar, correr, suar, quebrar os vidros
(indignar-me) é o meu signo diário.

II
Um homem tem que viver.
e tu vê lá não te fiques
- um homem tem que viver
com um pé na Primavera.

Tem que viver
cheio de luz. Saber
um dia com uma saudade burra
dizer adeus a tudo isto.
Um homem (um barco) até ao fim da noite
cantará coisas, irá nadando
por dentro da sua alegria.

Cheio de luz - como um sol.
Beberá na boca da amada.
Fará um filho.
Versos.
Será assaltado pelo mundo.
Caminhará no meio dos desastres,
no meio de miostérios e imprecisões.
Engolirá fogo.

Palavra,
um homem tem que ser
prodigioso.
Porque é arriscado ser-se um homem.
É tão difícil, é
(com a precariedade de todos os nomes)
o começo apenas.